sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

história real sobre um padrão de beleza

Sou gorda desde que eu nasci e isso me trouxe várias experiências e problemas, eu diria. Vou contar aqui uma experiência pessoal, que não costumo falar muito sobre, mas que mudou completamente a minha vida e a minha forma de pensar sobre o mundo, as pessoas e a importância da empatia.
Quando eu fiz 14 anos estava muito acima do peso, mais do que eu já era acostumada, e começaram os comentários sobre meninas que, como eu, tinham conseguido perder peso pros tão sonhados 15 anos. Eu nunca quis uma festa, mas pela primeira vez senti realmente necessidade de emagrecer e vi esse tempo como uma boa deixa. Porque antes, como criança já haviam me colocado na natação, nutricionista, mas pra mim, tudo era sem motivo, não levei a sério. Já nos meus 14 anos eu quis de verdade. Senti uma vontade imensa de ser normal, eu queria ser invisível. Até hoje, não desejo ser atraente, desejo ser normal. Não tem nada pior do que ser um ponto de referência como "atraz da gorda", "amiga da gorda". Claro que ninguém nunca fala isso abertamente, mas não precisa. Nunca sofri bullyng. Acho que tenho muita sorte por isso, em todo período escolar, mesmo trocando de escola nunca me atacaram ou me fizeram sentir mal, como leio e escuto por aí nas experiências alheias. Enfim, eu queria ser normal, a qualquer custo. E eu decidi que seria. De todas as coisas que eu fiz quando criança nada tinha dado certo, então pensei em entrar numa dieta radical, mesmo. Eu não comia. É. Evitava beber água porque eu me pesava todos os dias e isso aumentava o peso na balança. Quando me pressionavam pra comer eu comia salada ou uma fruta, que também reduzi por ter açúcar. Emagreci 27kg em menos de cinco meses, talvez quatro. Desmaiei algumas vezes. Entrei pra academia e com medo de desmaiar lá eu comecei a comer uma vez por dia, no almoço, só salada ainda assim. Me sentia fraca, tinha muito sono. Dormia nas aulas de manhã e no técnico de noite. Virei vegetariana. Fiquei com anemia e comecei a esquecer das coisas, não lembrava, era agoniante. A memória é uma coisa que sempre estimei muito e até hoje quando demoro pra lembrar de algo, acho que foi porque errei naquele tempo com a minha saúde. Acho que o que começou a me preocupar foi isso, quando eu vi que podia atrapalhar minha saúde mental. Eu já estava no meu peso saudável e lembro que a personal da academia começou a me questionar sobre o que eu comia, porque tinha perdido peso muito rápido. Eu mentia. Dizia que ia na nutricionista, mas ela nunca acreditou, sempre ficava me cuidando na eternidade que eu passava nos aparelhos aeróbicos. Me convenceu que eu estava no meu peso saudável com aquelas medições de gordura que eles fazem. Eu me olhava no espelho e não via diferença nenhuma. As pessoas me elogiavam, eu ficava feliz, mas não parecia ter mudado nada. Hoje, nas fotos vejo a diferença, mas na época eram só números... Cogitei estar doente mentalmente, fiquei preocupada em estar com anorexia e não conseguir ver os resultados. Fiquei preocupada com meu cérebro, ficava sempre muito desligada. Já queria Medicina naquela época então decidi fazer uma dieta que seria mais saudável pra proteger o meu cérebro. Foi desesperador. Eu comia muito pouco, ainda com muita salada mas sem jantar. Esse pouco que eu comia me fez engordar. Eu me pesava e ficava apavorada. Sim, era o meu corpo desesperado por nutrientes, absorvendo tudo sem saber quando ia ter alimento de novo. Lembro de chorar muito no início. Engordei 10kg muito rápido e já não quis mais sair de casa. Portanto, parei de ir pra academia. O que só piorou. Depois que ganhei mais 5kg parei de me cuidar de vez. Não comia como antes mas o pouco já era suficiente pra recuperar tudo que eu perdi. Fiquei extremamente deprimida, me sentia um lixo, como se aquilo fosse o fim do mundo, tinha vergonha de olhar pras pessoas que antes tinham me incentivado. Perdi a vontade de viver. De tudo. Virei um robô. A única coisa que sobrou em mim foi que eu queria ser médica um dia. Acho que isso foi o que me fez continuar, mesmo que como um saco vazio vagando por aí. No entanto, era uma coisa que eu queria, mas já não sabia mais o porquê, que se perdeu da minha memória nesse processo de dor física, mental. De novo eu fiquei preocupada... Com a minha saúde mental. Percebi que mantinha a mente vazia por tempo demais, pra fugir dos meus sofrimentos e esse escapismo me levava pra longe do meu objetivo. Me agarrei com tudo nos amigos e nas pessoas que eu amava pra me proteger. Pensava nos problemas deles e vivia a vida deles pra não ter que me preocupar com os meus fracassos e lembranças. Descobri a minha risada estravagante na mesma época que descobri que "quem é de verdade sabe quem é de mentira" ou "o essencial é invisível aos olhos". Me encontrei em um mundo onde o que eu vi foram pessoas preocupadas com a minha felicidade e não com quantos quilos eu pesava. Pessoas que sim, se importam com a minha saúde e é por isso que me corrigiram e apoiaram nas horas certas e que, naquele momento, eu estaria melhor com os quilos a mais. Me senti abençoada, sortuda, aliviada por não ter sido rejeitada pelos velhos amigos e sido abraçada pelos novos. Mas eu não estava bem não... Sou incapaz de descrever o que eu sentia e pensava sobre tudo isso naqueles dias... Não desejo isso pra ninguém. Não sei o que seria de mim sem as pessoas maravilhosas que me rodiavam. Eu pensava coisas horríveis. Me culpava e aos outros. Me revoltei contra o mundo. Um mundo que vivia pela aparência, que me deixou passar fome porque olhar pra mim gorda não era "atrativo". Era culpa dos outros. Tudo. Até a minha própria culpa. Sabe, isso não deixa de ser verdade, no entanto, olhar desse jeito negativo só piora tudo. Hoje eu sei. Acho que eu fui extramamente arrogante ao pensar certas coisas. E como tudo que vai volta... Voltou. Desabei de vez quando não passei no vestibular a primeira vez. Era como se o tempo todo eu estivesse pendurada na borda de um buraco e quando fiz aquela prova foi como se pisassem nas minhas mãos pra que eu afundasse de vez. Fui ao fundo do poço, sem dúvida. Virei um robô perfeito. Acordava todos os dias 06:30 da manhã pra estudar. Não botei o despertador no soneca nunca naquele ano. Ficava sozinha em casa pra estudar mais. De noite ia pro cursinho e não conversava com ninguém pra não perder a atenção das aulas. Me isolei. Perdi minha humanidade, no momento em que passei a ignorar tudo ao meu redor. Foco. Foco. Foco. Eu ia mal nos simulados, no fim do ano percebi que não ia passar. Chorei um monte. Não sabia o que fazer, achava que ninguém ia me entender se eu conversasse com alguém. Dessa vez eu só culpei a mim mesma. Burra, burra, burra. Não sei quando eu percebi meu nível de doença, se foi quando eu saí de uma aula chorando simplesmente porque não conseguia mais prestar atenção no que o professor falava, de cansaço, e fiquei com raiva de mim ou se foi quando comecei a escutar as pessoas ao meu redor e as palavras dos professores, sobre a vida, que começaram a fazer sentido. Eu não era a única. Que egoísmo foi pensar que fosse... Comecei a ouvir e a falar com as pessoas que sentaram comigo o ano inteiro e descobri que eram muito legais. E que eu podia ter conhecido mais elas se não estivesse no piloto automático. Decidi que pegaria mais leve comigo mesma e que no ano seguinte faria terapia pra encontrar um ponto de equilíbrio na minha vida. E fiz isso. Sou muito teimosa, mas a terapia me ajudou a descobrir meus medos, me fez reencontrar quem eu era e os motivos de estar ali e até encontrar novos. Socializei até demais, mas não me arrependo. Foi bom, pra me recuperar. Mesmo estando bem, eu demorei pra voltar a rir de verdade... Quando voltei, não parei mais. Tirei a culpa aos poucos dos meus ombros e perdoei os erros dos outros. Amadureci muito quando percebi que a pior das atrocidades pode ser perdoada e passei a ver a inocência na maldade dos tantos vilões que temos por aí, que quase ninguém vê. Parei de ter vergonha de amar tanto (porque queria ser durona). Me controlo um pouco ainda, mas me esforço pra demonstrar e dizer mais o que eu sinto. Aprendi a me amar e a rir mais. Aprendi que auto estima não é ter um corpo dentro dos padrões, mas o que você faz com ele. Do que adianta ser "perfeita" se você aceita as imposições dos outros, seu namorado, sua família? Auto estima é impor limites, principalmente aos que você ama e não há nada mais difícil! Auto estima é saber quem você é, do seu valor, é conhecer todos os seus lados com transparência e ainda assim conseguir gostar de si mesmo. Descobri que preciso cuidar mais de mim física e mentalmente pra poder cuidar dos outros. Voltei a emagrecer e a fazer exercícios de maneira correta, não me privo de nada. Nunca mais vou ultrapassar esse limite. Quando eu vejo algo errado falo porque agora estou prestando atenção de verdade! Estou vivendo. Do meu jeito. Sem tentar agradar ninguém ou parecer alguma coisa. Do MEU jeito. Não tem nada mais prazeroso no mundo do que fazer suas próprias escolhas, mesmo sem ter chegado aonde se quer chegar. Não há nada mais prazeroso no mundo do que ser aceito mesmo não passando no vestibular, não sendo a pessoa mais linda, muito menos inteligente ou com um status social grandioso. Não tem nada mais prazeroso no mundo do que não ter nada do que falam por aí que é importante pra oferecer e ainda assim ser amado. Nada mais prazeroso do que aceitar a si mesmo e se amar.
Acho que me perdi um pouco e ficou muito longo (olha que pulei várias partes), mas tô orgulhosa de ver que minha memória é excelente pra vida, mesmo que não seja pra matéria, e que as lembranças vão ficar pra sempre, de lição, e eu espero colecionar muitas mais. O foco do texto era só contar uma história sobre o que tentar ser aceito pode fazer com a cabeça de uma pessoa. Há muito vitimismo por aí com relação a preconceitos. No caso de ser gordo, não sofri muito preconceito, no entanto eu não me sentia aceita por causa do que eu ouvia falar. Hoje, na minha opinião, o preconceito é mascarado com o discurso "você precisa ser saudável". Por favor. Não seja essa pessoa. No fundo todos sabem que é a aparência que move essa onda fit. Não seja hipócrita, seja transparente consigo mesmo, não há vergonha em querer se adequar a um padrão pra se sentir melhor, somos humanos! Vergonha há em ultrapassar os limites do bem-estar como eu fiz. Você não precisa sentir atração por um(a) gordo(a), achar lindo, casar. Você precisa respeitar! Passei por tudo isso sem sofrer ataques diretos, mas me coloco no lugar de quem já sofreu e acho que se foi difícil assim pra mim, imagina sendo espizinhada. Acho que eu nunca teria saído daquele buraco.
Eu tenho sorte.
Muita sorte! Não deixe que outras pessoas precisem da mesma sorte.

Obs: não vou parar de rir, nunca mais.

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